Manifesto #LugardeCriançaénaEscola

Manifesto #LugardeCriançaénaEscola
A importância deste abaixo-assinado

Manifesto pela Educação Pública no Brasil
As medidas de enfrentamento à pandemia de COVID-19 colocaram mais de 40 milhões de crianças brasileiras fora da escola pública. Esse cenário já se prolonga por mais de 8 meses.
Desde março, as crianças foram totalmente alijadas desse espaço fundamental para seu bem-estar, segurança, saúde e desenvolvimento. Trata-se de uma negligência grave e inadmissível do conjunto da sociedade brasileira para com suas crianças, que deveriam ser prioridade absoluta, segundo a constituição.
Poucos países mantiveram as escolas fechadas por tanto tempo. Na Europa, em meio à segunda onda da pandemia, Alemanha, França, Irlanda, Espanha, Portugal e outros países estão fechando bares, restaurantes, teatros, salas de concerto, academias e shoppings, mas optaram por manter escolas e creches abertas. Afinal, são serviços ESSENCIAIS, cujo fechamento traz impactos sociais muito negativos a curto, médio e longo prazo.
A pandemia está causando um dano grave e provavelmente irreversível ao desenvolvimento de toda uma geração de crianças. As escolas são muito mais do que locais de "instrução": são territórios educativos de segurança, nutrição, interação, socialização, afeto, acolhimento, brincadeiras. Trata-se de um elemento central da garantia de direitos básicos - como a segurança alimentar - e da rede de proteção social - que detecta, previne e cuida de situações de abuso e violência.
As escolas oferecem às crianças oportunidades únicas e indispensáveis de desenvolvimento físico, mental, emocional e social. E as famílias, especialmente as mulheres, precisam que as crianças retornem às atividades escolares para que possam trabalhar e sobreviver.
As nossas crianças mais vulneráveis, que vivem nas periferias e bairros pobres do país, estão submetidas a sérios riscos para sua saúde. Estão sendo colocadas em creches clandestinas, sem regulamentação; expostas à violência doméstica e urbana, a acidentes de trânsito ou domésticos; com sua segurança alimentar ameaçada; sem estímulo, perdendo janelas importantes para seu aprendizado, desenvolvimento cognitivo e psicomotor, e em risco para transtornos emocionais, como depressão e outros.
A socialização é uma dimensão central da vida escolar, e sua perda por tanto tempo pode provocar sérios danos à saúde emocional. O tempo excessivo que crianças e adolescentes permanecem conectados a mídias eletrônicas favorece o sedentarismo e a obesidade, distúrbios oculares, do sono e do comportamento, transtornos da imagem corporal e da autoestima. Além disto, proporciona danos ao seu desenvolvimento e gera ameaças para sua integridade física e emocional.
As perdas para o conjunto da sociedade brasileira são também desastrosas. A evasão escolar pode aumentar no país de forma irreversível após um tempo tão prolongado. Muitas crianças já estão trabalhando para complementar a renda familiar, além do aumento da gestação indesejada na adolescência. Os efeitos econômicos do vazio educacional serão sentidos ao longo de décadas, segundo a OCDE. A falta do aprendizado se reflete em perdas de habilidades e produtividade, e o impacto relativo sobre o PIB pode ser enorme. A perda de escolaridade está relacionada até mesmo à redução da expectativa de vida.
As crianças de escola privada tiveram parte de sua educação garantida pela tecnologia e já estão tendo aulas presenciais. Com as públicas fechadas, o fosso da desigualdade, já brutal em nosso país - e que adoece a sociedade como um todo com suas nefastas consequências -, vai se aprofundar ainda mais.
Sabemos bem que há uma forte resistência dos professores para o retorno às atividades, em razão da falta de condições estruturais que permitam a implementação dos protocolos de segurança. É compreensível: neste tempo todo, as escolas não receberam o investimento necessário para se adaptarem. Nossa ideia é estar junto com os educadores de todo o país, conclamando as autoridades para que tomem providências imediatas para preparar o indispensável retorno às aulas em 2021.
Após 9 meses de intensos estudos, a ciência nos mostra claramente que não é a escola que dissemina o vírus na pandemia. A escola, com estrutura e protocolos, protege - em vez de colocar em risco.
A experiência dos países que abriram suas escolas foi, em geral, bem sucedida. Quase não houve relatos de surtos em escolas nem agravamento da epidemia. A maioria dos casos positivos nas escolas foram importados da comunidade e a transmissão dentro das escolas aconteceu, em geral, a partir de um adulto doente - e não de crianças. Crianças menores de 10 anos são infectadas pelos adultos do domicílio ou em atividades fora da escola. Professores da educação infantil e ensino fundamental têm se mostrado de baixo risco para o contágio, enquanto os do ensino médio têm risco semelhante à comunidade em geral.
No Brasil vivemos um aumento de casos em novembro, pela baixa adesão aos efetivos mecanismos de proteção. Em vez de debater a reabertura de um serviço absolutamente essencial para as crianças, jovens e a sociedade, os governantes mantêm as escolas fechadas - sem qualquer menção a investimentos para adaptá-las - enquanto notícias mostram bares lotados, aglomerações e festas.
E aí reside a contradição: atividades sociais como essas perpetuam a transmissão do vírus em altos níveis. Então, quando poderemos abrir as escolas? Em dois ou três anos? Ou com a promessa messiânica de “quando vier a vacina”? Ora, as crianças serão as últimas a receberem.
Se nada for feito, como será o cenário em fevereiro - daqui a 2 meses? Escolas sem estrutura, sem condições de implementar protocolos. Profissionais da educação inseguros, se recusando a trabalhar. Em março começa a alta estação de viroses e febres infantis. Sem testagem, escolas vão fechar inúmeras vezes. Será mais um ano sem vida escolar para milhões de crianças?
Abrir escolas públicas é uma necessidade, um imperativo moral, um direito essencial de quem é prioridade na constituição desse país.
Sabemos que isso não é simples. Muitas escolas públicas do país estão em condições degradantes. Não há água e sabão, banheiros são impróprios, salas mal ventiladas e superlotadas, quentes, professores sacrificados, faltam profissionais. Dessa forma, não têm estrutura para receber alunos e funcionários nas condições exigidas pelos protocolos de segurança. É compreensível que professores não se sintam seguros para voltar ao trabalho nesse cenário. Sabemos da luta dos professores, que há anos tentam acordar a sociedade para este problema. A sua reivindicação por melhores salários e condições de trabalho é justíssima. Eles conhecem bem a situação de abandono da maioria das escolas e tem que ser ouvidos. Queremos justamente nos juntar a eles, contribuir para dar visibilidade ao tema, e agregar nosso conhecimento técnico da pandemia e suas condições epidemiológicas. E juntos acharmos um caminho de segurança para todos.
Reabrir escolas exige investimento. Isso deveria ter sido feito ao longo de 9 meses de fechamento. Onde estão as obras, as melhorias? A omissão dos gestores é flagrante.
Somos um grupo de pediatras, outros profissionais e cidadãos preocupados com a infância no Brasil, e queremos alertar a sociedade de que é preciso investir urgentemente nas escolas públicas.
Se isso não for feito, poderemos ter mais um ano sem vida escolar - uma catástrofe em tantos sentidos.
Vamos cobrar do poder público uma resposta rápida, que construa condições para que todas as escolas públicas do Brasil tenham segurança para o retorno de alunos, professores e funcionários.
Serão necessárias obras (banheiros, ventilação, uso de áreas externas para atividades), material de higiene e limpeza, termômetros, EPI (equipamentos de proteção individual), máscaras, contratação de pessoal extra. Precisaremos de planos para reabertura, de protocolos e capacitação de funcionários, professores, famílias e crianças. E também de convênios com as áreas da saúde, urbanismo, parques, segurança e outras. Serão necessários protocolos de notificação, isolamento e monitoramento de casos suspeitos, levantamento de profissionais e crianças com co-morbidades ou que residem com pessoas de maior risco, de investimento em educação à distância para ensino híbrido.
Estamos falando ide 2021. Sabemos bem que não poderemos abrir escolas em meio a um aumento tenebroso de casos e mortes, como o que estamos vivendo. Num momento em que 90% das vagas hospitalares estão ocupadas, em que as pessoas saem às ruas sem um mínimo de responsabilidade, de cuidado com o outro, é mais importante falar em proibir aglomerações e avaliar fechamentos ou restrições do comércio. Não estamos defendendo lockdown. Estamos afirmando que, como bem diz a OMS, se usássemos mascaras e evitássemos aglomerações, isso não seria necessário. E poderíamos abrir escolas, como estão fazendo países europeus mesmo em meio a uma severa segunda onda.
Estamos lutando contra uma histórica negligência para com a educação pública em nosso país. Mas quem sabe não temos aqui a oportunidade de começar a mudar.
Parece uma utopia, mas não é. Nossa sociedade já superou desafios piores. É preciso pressão política, recursos e participação da comunidade. Também cabe a nós tentar colaborar com o investimento nas escolas. Em nossa experiência com a epidemia do HIV, a sociedade civil organizada teve papel fundamental - e nos saímos muito bem.
Vamos mobilizar a sociedade brasileira e seus governantes. Venham com a gente. Você também, professora e professor. Essa campanha é também por você. Sabemos o quanto você é fundamental para nossas crianças, e queremos a sua segurança. Confie: numa escola melhor você está seguro.
Se você concorda com esse manifesto, assine e nos ajude a divulgá-lo. Vamos chegar à mídia, às instituições de defesa da infância, da educação e dos direitos humanos, às empresas, ao congresso nacional, a prefeitos e governadores.
Como disse o primeiro-ministro irlandês: “não podemos e não permitiremos que o futuro de nossos filhos e jovens seja outra vítima desta doença”.
Escolas públicas prontas para reabrir em 2021 - essa é a nossa bandeira. Nada é mais forte que uma ideia cujo tempo chegou. Temos pressa, temos uma obrigação, temos um sonho: uma infância melhor e mais justa para nossas crianças.