Diga NÃO ao sacrifício da onça-parda FIVe!
Uma recente reportagem assinada por Ana Lucia Azevedo, do jornal O Globo, deu conta ao Brasil da triste história de uma onça-parda que foi resgatada cheia de parasitas, desidratada e desnutrida, com apenas 18 quilos (muito abaixo dos 53 a 72 quilos que um macho como ele pode alcançar na idade adulta). E, por mal dos seus pecados, carregando o vírus da imunodeficiência felina (FIV). Viveu sabe-se lá quanto tempo aprisionada num galinheiro e hoje passa os seus dias num recinto pequeno no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) do Ibama em Seropédica, no estado do Rio.
Vou chamá-lo de FIVe. Tomei a liberdade de batizá-lo porque essa pobre onça-parda, até onde sei, ainda não tem um nome. Nomes são coisas humanas, mas é a nossa humanidade que pode salvá-la.
Dito isso, nada tão apropriado, penso, quanto dar à ela um nome que – mais além de incorporar o acrônimo que retrata a sua doença – faça alusão ao número cinco e remeta o nosso pensamento para os cinco elementos do budismo: a terra, a água, o fogo, o vento e o céu. Mais que isso, Pitágoras enxergava no terceiro número primo atributos como o equilíbrio, a união e a harmonia. E se existem coisas que FIVe precisa urgentemente são decisões equilibradas, de união e de que sejamos capazes de viver em harmonia com todas as espécies que habitam esse nosso frágil e pequeno planeta azul. Para que sejamos assim capazes de viver em harmonia entre nós e cada ser humano em harmonia consigo mesmo.
Em que pese a dificuldade que o Cetas de Seropédica vem enfrentando com a falta de estrutura e recursos desde o ano de 2015 (em 2021 a empresa que fornecia a alimentação para os animais parou de prestar o serviço e mais de seiscentas mortes por inanição ocorreram ali), a nossa onça-parda foi ganhando peso e hoje estaria apta a ser reinserida no seu habitat natural, não fosse o fato de ter testado positivo para a Aids dos gatos.
Devolver para a natureza um animal com FIV poderia em teoria colocar em risco outros exemplares da sua espécie ou felinos de outras espécies. A partir desse diagnóstico, a hipótese de sacrificar a onça-parda de Seropédica passou a ser real. A menos que alguma instituição ou algum proprietário de uma reserva privada aceite recebê-lo.
Somos minha esposa Mírian e eu proprietários de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, uma unidade de conservação privada reconhecida pelo ICMBio que foi cadastrada recentemente pelo Ibama como a primeira Área de Soltura de Animais Silvestres do estado do Amazonas. A RPPN Ajuricaba é constituída por três ilhas com espaço suficiente para abrigar um predador de topo como a onça-parda de Seropédica. E também para abrigar, quem sabe, uma fêmea infectada com o vírus, lembrando que a transmissão da FIV durante a gestação é um evento menos frequente.
Como o rio Negro, na região onde fica a reserva, tem sete quilômetros de largura e as ilhas que a formam ficam bem no meio da sua calha, me parece improvável que FIVe passe para uma das margens e possa assim morder ou arranhar outro indivíduo da sua espécie e/ou um felino de outra espécie, arriscando a contaminá-los com o vírus da FIV. De qualquer forma, deixo para os especialistas esclarecerem se as onças-pardas são capazes de atravessar extensões tão grandes a nado…
Para lá dessa questão, uma recente revisão da taxonomia dos felinos liderada pelo Cat Specialist Group da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) concluiu haver apenas duas subespécies – uma única na América do Sul – de onça-parda do Alasca e norte do Canadá até a Patagônia, uma condicionante que deve ser sempre levada em conta antes da soltura de um animal, para evitar que uma subespécie seja introduzida na área de distribuição geográfica de outra. Um recinto de ambientação pré-soltura, estrutura já prevista no plano de manejo da nossa reserva, talvez necessite ser construído. É algo que Mírian e eu consideraríamos fazer para que FIVe possa ter um resto de vida mais digno.
Outra opção é encontrar um criadouro que esteja disposto a recebê-lo e a alojá-lo num grande recinto só para ele. Sei que essa última opção não é das mais fáceis de ser concretizada, uma vez que, por não serem tão vistosas como a as onças-pintadas, as onças-pardas são geralmente pouco interessantes para a maioria dos zoológicos e criadouros conservacionistas. Talvez esse seja o principal motivo pelo qual elas – ao contrário das suas primas que têm a pelagem amarela coberta por rosetas pretas – acabem abarrotando muitos Cetas espalhados pelo país afora.
Devemos empreender todos os esforços para que a onça-parda de Seropédica não seja sacrificada e que uma destinação adequada, que leve em conta a sua qualidade de vida, seja encontrada. Não serão poucos os servidores do Ibama – inclusive os que estão lotados no Cetas de Seropédica – que concordarão que esta é a decisão mais acertada. Nesse sentido, não estarei sendo exageradamente otimista se imaginar que pode haver espaço para que a Superintendência no estado do Rio de Janeiro e a cúpula do órgão em Brasília se sensibilizem com as ponderações aqui apresentadas.
Enfim, não vamos tirar dessa pobre onça-parda a sétima e última vida que lhe resta, já que as outras seis foram consumidas uma após a outra num galinheiro e depois no pequeno recinto onde agora está alojada. Vamos dar a ela a oportunidade de relembrar os dias em que caminhava com as orelhas em sinal de alerta, mas livremente, no pouco que restou da Mata Atlântica. Se FIVe for sacrificado, uma parte de nós vai morrer com ele.
Um animal com FIV e assintomático como a onça-parda de Seropédica pode conviver anos a fio com a doença. Se estiver em paz, seu sistema imunológico também estará e os sintomas da doença jamais aparecerão. Pode inclusive dividir água e comida com outros de sua espécie, sem risco de transmissão do vírus. Sacrificá-lo, portanto, não deve ser uma opção.
Não podemos permitir que se repita no Brasil – cuja conservação da biodiversidade foi tão deixada de lado em anos recentes – uma história parecida com a de Macho B, o último exemplar de onça-pintada de vida livre dos Estados Unidos, que foi injustificadamente sacrificado com a chancela de um órgão oficial de proteção do meio ambiente daquele país.
É preciso achar uma solução. Não dá para fazer uma conta de padaria para definir o destino de FIVe. Existem ganhos nessa equação que anulam com sobras os custos com a sua manutenção ou as dificuldades de ordem orçamentária. Mais tarde veremos que não terão sido desperdiçados os recursos aparentemente gastos sem parcimônia para garantir uma sobrevida digna a um exemplar de uma espécie que hoje é rara nos domínios da Mata Atlântica.
A jornada de provação e superação de FIVe servirá de inspiração para inúmeras crianças e jovens, que se transformarão nos defensores do meio ambiente de amanhã. Se a onça-parda de Seropédica for sacrificada, o Estado brasileiro estará dando um exemplo ruim para as atuais e futuras gerações.
[Link para a matéria “Onça-parda com Aids felina pode ser sacrificada se não conseguir adoção”: https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/noticia/2023/05/prisao-perpetua-ou-morte-conhece-a-historia-da-onca-parda-que-vive-drama-causado-pela-acho-humana.ghtml. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo.]
Say NO to the sacrifice of the cougar FIVe!
A recent report by Ana Lucia Azevedo, from the newspaper O Globo, told Brazil about the sad story of a puma that was rescued full of parasites, dehydrated and malnourished, weighing only 18 kilos (well below the 53 to 72 kilos that a male such as he can reach into adulthood). And, for all his sins, carrying the feline immunodeficiency virus (FIV). She lived who knows how long imprisoned in a chicken coop and today she spends her days in a small enclosure at Ibama's Wild Animal Screening Center (Cetas) in Seropédica, in the state of Rio.
I'll call it FIVe. I took the liberty of naming him because this poor cougar, as far as I know, still doesn't have a name. Names are human things, but it is our humanity that can save it.
That said, nothing is as appropriate, I think, as giving her a name that – in addition to incorporating the acronym that portrays her disease – alludes to the number five and sends our thoughts to the five elements of Buddhism: the earth, the water, the fire, the wind and the sky. More than that, Pythagoras saw attributes such as balance, union and harmony in the third prime number. And if there are things that Five urgently needs, they are balanced decisions, of union and that we are able to live in harmony with all the species that inhabit our fragile and small blue planet. So that we are able to live in harmony with each other and each human being in harmony with himself.
Despite the difficulty that Cetas de Seropédica has been facing with the lack of structure and resources since 2015 (in 2021 the company that provided food for the animals stopped providing the service and more than six hundred deaths from starvation occurred there), our cougar gained weight and today would be able to be reinserted in its natural habitat, if it weren't for the fact that it tested positive for AIDS of the cats.
Returning an animal with FIV back to the wild could, in theory, put other specimens of its species or felines of other species at risk. Based on that diagnosis, the possibility of sacrificing the Seropédica cougar became real. Unless some institution or owner of a private reserve agrees to receive it.
My wife Mírian and I are the owners of a Private Natural Heritage Reserve, a private conservation unit recognized by ICMBio that was recently registered by Ibama as the first Wild Animal Release Area in the state of Amazonas. The RPPN Ajuricaba consists of three islands with enough space to house a top predator such as the Seropédica cougar. And also to shelter, who knows, a female infected with the virus, remembering that the transmission of FIV during pregnancy is a less frequent event.
As the Negro River, in the region where the reserve is located, is seven kilometers wide and the islands that form it are right in the middle of its channel, it seems unlikely that Five would pass to one of the banks and thus be able to bite or scratch another individual in the reserve. their species and/or a feline of another species, risking to contaminate them with the FIV virus. In any case, I leave it to the specialists to clarify whether the cougar is capable of swimming across such vast expanses…
Aside from that question, a recent review of feline taxonomy led by the Cat Specialist Group of the International Union for Conservation of Nature (IUCN) concluded that there are only two subspecies – one unique in South America – of cougars from Alaska and northern Canada to Patagonia, a condition that must always be taken into account before releasing an animal, to prevent a subspecies from being introduced into the geographical distribution area of another. A pre-release enclosure, a structure already foreseen in the management plan for our reserve, may need to be built. It's something Mirian and I would consider doing so that IVVe can have a more dignified rest of life.
Another option is to find a breeder that is willing to receive him and house him in a large enclosure just for him. I know that this last option is not the easiest to implement, since, because they are not as showy as jaguars, cougars are generally of little interest to most zoos and conservationist breeding grounds. Perhaps this is the main reason why they – unlike their cousins who have yellow fur covered by black rosettes – end up crowding many Cetas spread across the country.
We must make every effort so that the Seropédica cougar is not sacrificed and that an adequate destination is found, which takes into account its quality of life. Not a few Ibama employees – including those working at Cetas in Seropédica – will agree that this is the right decision. In this sense, I will not be overly optimistic if I imagine that there may be room for the Superintendence in the state of Rio de Janeiro and the Ibama’s summit in Brasília to be sensitive to the considerations presented here.
In short, we are not going to take the seventh and last life left from this poor cougar, since the other six were consumed one after the other in a chicken coop and then in the small enclosure where it is now housed. Let's give her the opportunity to remember the days when she walked with her ears in alert, but freely, in the little that remained of the Atlantic Forest. If FIVe is sacrificed, a part of us will die with him.
An asymptomatic animal with FIV, such as the cougar from Seropédica, can live with the disease for years on end. If you are at peace, your immune system will be too and the symptoms of the disease will never appear. It can even share water and food with others of its species, without risk of transmitting the virus. Sacrificing it, therefore, should not be an option.
We cannot allow a repetition in Brazil – where conservation of biodiversity has been so neglected in recent years – a story similar to that of Macho B, the last free-living jaguar in the United States, which was unjustifiably sacrificed with the seal of an official body for the protection of the environment in that country.
A solution needs to be found. A solution needs to be found. It is not possible to make an account on a piece of paper to define the destination of FIVe. There are gains in this equation that override maintenance costs or budget difficulties. Later we will see that the resources apparently spent without parsimony to guarantee a dignified survival for an example of a species that today is rare in the domains of the Atlantic forest were not wasted.
FIVe’s journey of testing and overcoming will serve as an inspiration to countless children and young people, who will become the environmental defenders of tomorrow. If the Seropédica cougar is sacrificed, the Brazilian State will be setting a bad example for current and future generations.
[Link to the article “Cougar with feline AIDS can be euthanized if it does not get adoption”: https://oglobo.globo.com/um-so-planeta/noticia/2023/05/prisao-perpetua-ou-morte-conheca-a-historia-da-onca-parda-que-vive-drama-causado-pela-acao-humana.ghtml. Photo: Márcia Foletto / Agência O Globo.]