Ao invés de cimento, um Santuário!

Ao invés de cimento, um Santuário!

Carta Proposta de Inovação para Cidade de Salvador
Aos Prezados
Prefeito ACM Neto, Senhores Secretários da SECIS e da SEDUR
Assunto: Reconhecimento legal de área de valor urbano-ambiental ao SANTUÁRIO DAS ÁRVORES ANCIÃS DE SALVADOR no trecho da av. Juracy Magalhães Neto, que se inicia nas Grandes Árvores Anciãs do Cidade Jardim até o início da av. Garibaldi/ Lucaia - Exemplo inovador de espaço público para devoção e silêncio, no qual as relíquias são as diversas e mais sublimes manifestações de vida, já existentes no local: as árvores, o rio e a evidência de que com respeito, é possível cumprir, em território urbano, às expectativas das urgentes demandas do planeta.
IMPORTANTE
Prezados(as) Senhores(as)
Nós, abaixo consignados, vimos por meio desta expor e requerer.
Estamos sob a decretação mundial de uma pandemia viral que vitima milhares de vidas.
O momento é grave. O município de Salvador tem observado as recomendações de organizações e especialistas nacionais e internacionais, e adotado medidas mitigatórias. Porém, essas medidas não enfrentam diretamente as causas dos danos que a humanidade vem sofrendo.
Há posicionamentos de cientistas que defendem que o vírus causador da pandemia é uma zoonose, que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é transmitida por um animal selvagem. Como é sabido, vírus e bactérias que normalmente infectam animais selvagens e domésticos podem infectar seres humanos. Este fenômeno é conhecido como spillover, termo utilizado na ecologia para se referir a um vírus, micróbio ou bactéria que conseguiu se adaptar e migrar de uma espécie de hospedeiro para outra. Como é o caso do agente infeccioso causador da Covid-19.
Cabe refletir que este fenômeno, o spillover, no contexto da civilização atual, marcado por diversas ações que desconsideram o frágil equilíbrio ecossistêmico, o verdadeiro responsável pela degradação ambiental e por todos os impactos sociais destas resultantes, como é caso da Pandemia do Covid-19 que assola toda a humanidade e nos convida a um ajustamento de conduta com relação a forma como temos efetivamente agido na escala do nosso município para conservar a natureza.
Com isto, se faz necessário "reduzir as ameaças múltiplas e frequentemente interativas aos ecossistemas e à vida selvagem, incluindo redução e fragmentação de habitats, comércio ilegal, poluição, espécies invasoras e, cada vez mais, mudanças climáticas" (Fonte: OMS).
Ademais, é preciso conservar a natureza em Salvador, sobretudo quando se sabe da existência de importantes fragmentos de floresta do Bioma Mata Atlântica, situados em Áreas de Proteção Ambiental (APA), Parques e em “ilhas” e “corredores” verdes no espaço urbano, repletos de árvores e animais silvestres.
Obras como a do empreendimento Corredores de Transporte Público Integrado de Salvador (Lapa - Iguatemi) - BRT, em curso na cidade de Salvador está em descompasso com essa conjuntura visto que no caminho desta, existe o Rio Camarajipe/ Lucaia, diversas árvores antigas e frondosas, consideradas sagradas e centenas de pequenos animais silvestres.
Rever a concepção do projeto do BRT a fim de os preservar, devolvendo a área verde ao convívio humano, é uma nobre oportunidade de demonstrar entendimento aos novos tempos. Reconhecer o SAAS - SANTUÁRIO DAS ÁRVORES ANCIÃS DE SALVADOR pode ser um caminho para iniciar novas icônicas atitudes de retorno a uma boa relação com a natureza e com a cidade.
DO EXERCÍCIO DO DIREITO À CONEXÃO COM O SAGRADO
O Brasil é um país pautado pela laicidade.
Em decisão relativamente recente, no bojo de uma ação direta de inconstitucionalidade, o ministro relator Roberto Barroso pontuou:
"O Estado deve desempenhar dois papéis decisivos na sua relação com a religião. Em primeiro lugar, cabe-lhe assegurar a liberdade religiosa, promovendo um ambiente de respeito e segurança para que as pessoas possam viver suas crenças livres de constrangimento ou preconceito. Em segundo lugar, é dever do Estado conservar uma posição de neutralidade no tocante às diferentes religiões, sem privilegiar ou desfavorecer qualquer uma delas." ADI 4439/DF, Min. Relator Roberto Barroso.
A um tempo, a lei máxima do país, a Constituição Federal de 1988, assegura a liberdade religiosa [CF, art. 5º, VI (4)] e consagra o princípio da laicidade [CF, art. 19, I (5)].
Ainda segundo a fundamentação dessa decisão, o princípio da laicidade veda que o Estado assuma como válida apenas uma crença religiosa ou uma determinada concepção de vida em relação à fé.
A inexistência de uma religião oficial, a separação entre o estado e a igreja, e a tolerância religiosa são pilares de nossa sociedade.
Isso, entretanto, não impediu a União de conceder imunidade tributária aos templos de qualquer culto, expressamente positivada no artigo 150, VI, “b’, do vigente ordenamento jurídico constitucional.
O sagrado, por seu turno, no Brasil, é exercido de diversas formas, algumas não institucionalizadas ou não reconhecidas como religiões, que contribuem para destacar a relação de pertencimento entre a natureza e o ser humano. A reserva de sacralidade conservada por comunidades nativas, por exemplo, torna possíveis experiências de imanência que agem em favor da conservação da biodiversidade.
O Brasil foi signatário e contribuiu com a elaboração da Carta da Terra. Através da concepção de continuidade e conectividade entre a humanidade e os outros seres que compartilham a morada na terra, diz a Carta da Terra no preâmbulo: “Nós somos a Terra, os povos, as plantas e animais, gotas e oceanos, a respiração da floresta e o fluxo do mar. Nós honramos a Terra como lar de todos os seres viventes. Nós estimamos a Terra por sua beleza e diversidade de vida.”
“A Carta da Terra parte de uma visão integradora e holística. Considera a pobreza, a degradação ambiental, a injustiça social, os conflitos étnicos, a paz, a democracia, a ética e a crise espiritual como problemas interdependentes que demandam soluções includentes. Ela representa um grito de urgência face às ameaças que pesam, sobre a biosfera e o projeto planetário humano. Significa também um libelo em favor da esperança de um futuro comum da Terra e Humanidade.” (Leonardo Boff, Teólogo)
É preciso rever esse compromisso. Na Carta da Terra, iniciada com a Rio92 e finalizada em 2000, publicada no MMA brasileiro, a dimensão espiritual é citada, entre os princípios, seis vezes:
1) Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade;
2) Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual em todas as culturas que contribuam para a proteção ambiental e o bem-estar humano;
3) Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social, capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar espiritual, concedendo especial atenção aos direitos dos povos indígenas e minorias;
4) Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, conhecimentos, terras e recursos, assim como às suas práticas relacionadas a formas sustentáveis de vida;
5) Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual;
6) Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma subsistência sustentável.
As religiões afro-brasileiras, com sua cosmologia, denotam um sentido de sacralidade associado à natureza, onde a noção de relação entre o homem e o mundo natural se expressa por notas de respeito e reciprocidade.
Tempo, que agora percebemos bem, tolhidos de ir e vir, é um Orixá: Iroko, Pai de Todas as Árvores; a primeira de todos os exemplares deste chamado "Povo em Pé", plantada no nosso planeta, por onde desceram do Céu pra Terra todos os outros Orixás, que fazem a magia da nossa fé.
No caminho da obra do BRT Salvador há, ainda vivos, floridos e saudáveis inúmeros exemplares de árvores grandes, Sagradas Anciãs, que testemunham o Tempo das nossas existências e a memória desta cidade; filtram o ar da área, são responsáveis pelo conforto térmico, assim como são referências afetivas de quem tem olhos para conectar com o deleite da presença do Divino Criador, Grande Arquiteto dos Universos, em tão majestosos troncos, incrível conjunto de raízes e tão deslumbrantes copas.
Há territórios que são pontos de luz em Salvador e a av. Juracy Magalhães, com suas mais ilustres habitantes planetárias, as Árvores Anciãs, ancoram a firmeza que a humanidade busca para evoluir como espécie; simbolizam pulmões saudáveis, que numa inspiração profunda, re-estabelecem a esperança de possibilidades de uma vida mais feliz e plena, qualquer que sejam as dificuldades.
Oxalá, Pai de Todos os Orixás; o Senhor do Bonfim desta terra é o Ar: necessidade básica de todos os seres viventes e primeiro movimento de busca de todas as vidas recém-nascidas; nos falta quando acometidos por esta já citada doença; e neste momento, clama por novas atitudes.
A Mãe Terra, ser Cósmico Vivo, de quem todos nós somos parte, está exigindo claramente mais respeito; e que sejamos mais gentis, com nós mesmos, e com ela.
Os Rios, corpo vivo de Mamãe Oxum, Deusa da Beleza, da Doçura e da Riqueza, Mãe de todos os Soteropolitanos, já "que nessa Cidade todo mundo é d’Oxum", tem chorado sem ser ouvida, há tanto violentada; tem tido seus fluxos inundados por esgotos. Ao contrário de serem reintegrados ao nosso convívio, os rios vêm sendo tamponados e encapsulados.
Essas mesmas águas deveriam estar limpas, correndo por toda a cidade, inclusive, podendo servir à população que em tempos de necessidade urgente de higiene, teria possibilidade de sentir a presença da Doce Mãe saciando a sede e num abraço confortante de banho necessário.
Daqui a pouco, virão as chuvas do nosso inverno tropical, que já se anunciam, riscando os céus em Raios de Iansã e acordando nossas consciências, em brados urgentes de Xangô – permitamos a Terra sorver estas divinas águas; cimento sufoca a respiração de Gaya, não há dutos que possam ser construídos capazes de imitar a respiração livre de uma terra arborizada.
Assim como cada exemplar desta vigente humanidade está sendo convidado a rever suas vontades, postos à prova, em isolamento, pelas Leis Divinas, solicitamos que considerem a importância e a fragilidade da vida; que possamos nos dobrar em reverência a este complexo ecossistema planetário, reconhecendo que a única possibilidade de sobrevivência é em co-existência; honrando a Mãe Terra, que nos acolhe, nutre e aguarda pacificamente, o dia que seremos dignos de habitar o chão que pisamos.
E sendo Salvador, Terra de Todos os Santos, juntamo-nos confiantes, aos Santos de todas as devoções, que agora recebem as mais diversificadas orações, na esperança de termos nossos clamores atendidos.
Urge uma nova relação, baseada em um modelo de cuidado e afeto tanto entre os seres humanos, como destes com a natureza, que não será o resultado de mudanças individuais de comportamento, mas sim coletivas impulsionadoras das vontades políticas e atitudes institucionais mais responsáveis. Enquanto isso está sendo tecido, sejamos o projeto de transição!
SOLUÇÃO ALTERNATIVA: LEGALIZAÇÃO DO SANTUÁRIO DAS ÁRVORES ANCIÃS DE SALVADOR
No caminho da segunda fase do BRT há um lindo corredor habitado por rio, árvores e pequenos animais silvestres. Há como salvá-los. Nós abaixo consignados já o identificamos como espaço sagrado, um santuário.
Há previsão legal que aponta caminhos em prol de discernir força e proteção de lei a esta referida superfície sagrada onde já se realizaram e se realizam diversos eventos, entre os quais, um Ato Inter Religioso, no dia 7 de Julho de 2018, inclusive com ilustre presença da respeitada Anciã educadora, porta-voz das religiões de matriz africana e dos direitos das mulheres e do meio ambiente, Makota Valdina (in memoriam), dentre outros; e o apoio de Caetano Veloso, em reconhecimento à manifestação divina que se conflui no local.
A Lei 9.069 /2016 que dispõe sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município do Salvador - PDDU 2016 em seu título VIII do Ordenamento Territorial prevê em seu capítulo V, o SISTEMA DE ÁREAS DE VALOR AMBIENTAL E CULTURAL - SAVAM.
Pelo Art. 244. O Sistema de Áreas de Valor Ambiental e Cultural, SAVAM, é composto de:
I - Subsistema de Unidades de Conservação...
...
II - Subsistema de Áreas de Valor Urbano-Ambiental..
Vimos por meio desta defender que toda a área do canteiro central da Av. Juracy Magalhães seja considerada área que contribui para a manutenção da permeabilidade do solo, para o conforto climático, sonoro e visual no ambiente urbano de Salvador.
A área referida se enquadra perfeitamente no dispositivo legal pois:
1) possui valores naturais que encontram-se parcialmente descaracterizados em relação às suas condições originais
2) compreende elementos, cenários e marcos de referência vinculados à imagem, história, cultura local
3) trata-se de espaço aberto urbanizado utilizado para o lazer e recreação da população.
Confiando no renascimento do alinhamento Crístico nos corações de toda a humanidade, e acreditando na possibilidade de diálogo, nunca dantes nos concedido, para repensarmos juntos outras possibilidades para o que ainda nos resta da vida verde na cidade de Salvador.
PEDIMOS:
1) Revisão da concepção do Empreendimento Corredores de Transporte Público Integrado de Salvador (Lapa - Iguatemi) - BRT para que esta privilegie a manutenção das árvores e recupere os múltiplos usos do curso d'água e da mata local
2) Plano de recuperação de áreas degradadas - PRAD, Manutenção e recuperação das árvores e curso d'água do canteiro central da Av Juracy Magalhães
3) Revitalização do Rio Camarajipe / Lucaia
4) Plantio de árvores nativas da Mata Atlântica em especial nas margens ciliares
5) Enquadramento e decretação da área do canteiro central da Av Juracy Magalhães como Área de Valor Urbano-Ambiental, previsto no SAVAM/PDDU 2016, art 245 inciso II da Lei n° LEI Nº 9.069 /2016 do SANTUÁRIO DAS ÁRVORES ANCIÃS DE SALVADOR.
Atenciosamente,
Salvador, 1ª de Maio de 2020